OUTRAS VIAGENS

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domingo, 15 de janeiro de 2012

MENSAGEM INICIAL

BRASÍLIA, 5 DE JANEIRO DE 2012 -
Pois é, demorei a decidir, mas parto amanhã por volta das 7 h da matina. Eu deveria ter ido no dia 30 de dezembro, e passado o ano-novo na estrada, mas um sentimento de angústia me tomou de repente e preferi ficar em Brasília na virada do ano, com meus filhos. Não tenho grandes pretensões com esta viagem, mas quero aproveitar este início de 2012 para passar um tempo comigo mesmo, sozinho, fazendo alguns balanços que não consegui realizar nesses últimos meses. Na verdade, estou viajando por viajar. Pelo prazer de pilotar o dia inteiro com o céu sobre minha cabeça. No mais: silêncio, meditação e canja de galinha não fazem mal pra ninguém. Tenho um lado antropólogo que não me dá sossego, que sempre me obriga a inventar "desculpas" para minhas viagens, dando a elas algum encanto (ou busca) de ordem cultural ou histórica. Desta vez, a "desculpa" é a região das missões jesuítas do Paraguai e da Argentina, fronteiriças ao Brasil, numa experiência solitária de uma única semana. Muito se fala dessas missões e pouco se conhece. Vou lá conhecer e acrescentar algo de bom na minha vida. Bom, falei demais para quem sequer iniciou a viagem. Como resumo da experiência, pretendo visitar 3 missões paraguaias  (Trinidad, Jesus de Tavarangué e San Cosme y Damian) e 2 argentinas (San Ignacio e Santa Ana). Abraços para quem fica!
Vixe, ia me esquecendo. Viajo numa motocicleta Suzuki, VStrom DL 1000, que tem me levado por aí desde 2009.


sábado, 14 de janeiro de 2012

DE BRASÍLIA A PRESIDENTE PRUDENTE (SP) - 1031 km rodados no dia

Dia 6 de janeiro de 2012 - Saí de casa por volta das 6 horas, rumo à tríplice fronteira. O percurso de hoje foi realizado com muita tranquilidade, numa média bastante conservadora. Tempo bom, asfalto bacana, mas um calor dos infernos. Das 11 às 17 horas a temperatura variou entre 32 e 35 graus. E eu me derretendo dentro de um conjunto de cordura que deve ter elevado a sensação térmica para mais de 45 graus. Peguei uma chuvinha intermitente e gostosa na travessia de Minas Gerais, e muito bem vinda por conta do calorão. Superei os 1000 km rodados no dia de hoje, mas cá entre nós, fazer isso numa VStrom 1000 é mamão-com-açúcar. Impressionante o conforto desta moto. Para não dizer que tudo nela é 100% perfeito, ela tem um motor com 98 cavalos que puxam, relincham e bebem pra chuchu. Não bebem como cavalo, mas como gambá (nem sei direito o porquê desta expressão). O consumo da danada ficou em torno dos 14 km/l até aqui.
Estou hospedado no mesmo hotelzinho de estrada onde fiquei em 2009, quando retornava de Ushuaia. Fiz questão de pernoitar aqui, porque naquela ocasião fui muito bem tratado pelos funcionários. Lembro que alguns deles me fizeram ligar o computador e mostrar as fotos da viagem inteira. Encontrar um motociclista retornando de uma viagem de um lugar que eles nunca ouviram falar era muito estranho e gerou certa curiosidade. Acho que isso foi importante, porque aconteceu exatamente um dia antes de chegar em casa e esse exercício (de mostrar as fotos dos lugares por onde passamos) me permitiu reavivar todos os passos daquela experiência.
Bom, chega de papo porque a aventura mal começou. Posto abaixo algumas fotos do dia de hoje.

 (foto perto da divisa MG/SP)
 (às margens do rio Tietê, no estado de São Paulo)
 (às margens do rio Tietê/SP)
 (paradinha para refrescar, num quiosque de estrada)
 (nos arredores do hotel em Presidente Prudente, primeiro pernoite)
(dieta frugal "seca bochecha" (antes da churrascada))

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

DE PRESIDENTE PRUDENTE À RUTA JESUÍTICA (Paraguai) - 876 km rodados no dia

Segundo dia - 7 de janeiro de 2012 - Total da viagem: 1907 km, sendo 241 km no Paraguai.
a) Sai às 5:30 da matina de Presidente Prudente. Eu queria aproveitar as primeiras horas do dia para fugir um pouco do calor insuportável que anda fazendo por essas bandas. Para se ter uma idéia, ontem à noite, por volta das 20 h, estava 30 graus. Fui dormir 21h30 com o ar condicionado no máximo e acabei acordando cedo demais.
b) Resolvi estrear nesta viagem um casaco de cordura que havia comprado no Motocapital. Tava lá guardado ainda com a etiqueta do fabricante. Trata-se do Revolt 7.0, que foi desenhado para enfrentar temperaturas entre 4 negativos a 25 positivos, sem desconforto ao usuário. Quanto às temperaturas negativas, tudo bem, acho que será excelente, mas tornou-se um problemão utilizá-lo em temperaturas acima de 30º de praticamente toda a viagem. Foi um erro estratégico da minha parte ter optado por este casaco. O pior é que ele é trombolhudo e pesado, e não cabe em nenhum dos baús da moto.
c) Cheguei em Foz do Iguaçu às 11h50  a tempo de pegar o escritório da Magna Seguros aberto (no Posto Gasparin). Eu já havia contratado o seguro Carta Verde (próprio para o Mercosul) por email e ele estava lá me esperando. Como ainda era muito cedo, fiz um lanche reforçado no próprio restaurante do posto e resolvi atravessar a fronteira.
d) Quando cheguei na aduana paraguaia a moto marcava exatos 1666 km rodados desde Brasília. Se eu fosse supersticioso, ficaria meio pé atrás com o tal "666". Por via das dúvidas, resolvi procurar um hotel bem pertinho de uma cidade chamada "Jesus", aqui no Paraguai (onde tem uma missão jesuíta que vou visitar amanhã). Isso se chama em Portugal de "lei da compensação" (ui).
e) No Paraguai a temperatura ficou entre 35 e 40 graus por toda a tarde de hoje. Desde que entrei no país estou andando pianinho porque sei que a polícia daqui não precisa de motivos para atacar. Não adiantou andar devagar porque ultrapassei um caminhão que estava a menos de 40 km/h passando por cima de uma faixa contínua. Fui multado! Tive que pagar 318 mil guaranis (cerca de 75 dólares) no próprio posto policial. Pelo menos, não fui achacado, e levei a multa porque estava errado mesmo.
Amanhã vou conhecer as missões de Trinidad e Jesus de Tavarangué. Resolvi tirar a de San Cosme e San Damian do roteiro, porque é muito contramão chegar lá.
 (divisa de SP/PR)
 (coisa irritante! No Paraná moto paga pedágio, e foram 5)
 (entrada de Maringá, onde meu filho Renato nasceu por um acaso do destino)
 (no Paraguai na rodovia RN 6)
 (hotel na Ruta Jesuíta, no Paraguai)
(multa paraguaia)

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

PASSEANDO PELA RUTA JESUÍTICA

DIA 8 DE JANEIRO DE 2012 - comecei minhas atividades turísticas bem cedo, para aproveitar ao máximo o dia de hoje. A Ruta Jesuíta abriga 15 ruínas das reduções guaranis e tem início nas imediações de Bella Vista, no Paraguai, cerca de 70 km da fronteira com a Argentina, e se estende por outros 70 km no território argentino. Hospedei-me em Bella Vista, na Villa Florida, que fica pertinho das cidades de Jesus e Encarnación, esta última fundada pelo padre jesuíta Roque de Santa Cruz, canonizado pela Igreja Católica (não é o jogador de futebol). Vamos lá ao tour de hoje, pela ordem de visitas:

Missão Jesus de Tavarangué (Paraguai)
a) O ciclo jesuítico no Paraguai teve início tardio, no início do século XVIII, diferentemente do Brasil, onde os jesuítas começaram a chegar 50 anos após o Descobrimento. A missão de Jesus de Tavarangué, a primeira da minha lista de visitas, durou apenas 10 anos, entre 1758 e 1768, época em que os bandeirantes (vindos do Brasil) expulsaram os jesuítas desta região. Talvez seja a menor missão dentre as existentes na América do Sul. Eu não sabia nada disso antes de ir até lá. Havia pensado em reservar algo em torno de 2 h para visitar cada uma dessas localidades, mas na de Jesus mal precisei de 50 minutos para um tour completo, acompanhado pela única guia do local, chamada Vanessa. Quando saí de lá, pouco antes das 9 h, a temperatura estava em 42 graus. Vale lembrar que o local, assim como todas as demais ruínas por onde passei, foram consagradas como Patrimônio da Humanidade pela Unesco.
b) Sensação de Dejavu - foi impressionante o dia de hoje, porque tive a sensação permanente de ter estado nesses locais antes. Essa sensação se repetiu dezenas de vezes nas três primeiras missões que visitei durante o passeio pela Ruta Jesuítica. Curiosamente, o dejavu não ocorreu na quarta missão que estive, a de San Ignácio na Argentina, a única que eu conheci de fato durante a viagem que fiz ao Atacama em 2007, com a Rosane e o Paulo Amaral.

(fotos das ruínas de Jesus de Tavarangué)

(cabelinho estilo galo Carijó - não sei como isso aconteceu)






Missão de Trinidad del Paraná (Paraguai) 
a) Segui de Jesus para a ruta 6, rumo à missão de Trinidad, uma das mais belas do Paraguai. Este local sim é enorme e foi fundado no início do século XVIII (parece que no ano de 1708). Também fechou suas atividades em 1768, por conta da expulsão dos jesuítas. A sensação térmica estava em 48 graus, medida pelo aparelho skywatch (de alta precisão). O local é cercado por árvores centenárias, mas a ausência de ventos durante o dia não permitiu que a temperatura baixasse. Foi um passeio relativamente difícil por conta deste detalhe. Tive que parar por diversas vezes sob a sombra de alguma árvore para suportar a caminhada de um pouco mais de 2 horas pelo local.
b) Depois desta visita, voltei à pousada onde estava hospedado, tomei um longo banho frio e almocei frugalmente no próprio restaurante do hotel. Depois de um cochilo de 45 minutos, arrumei as malas e subi na moto em direção à fronteira argentina, que fica acerca de 70 km do hotel. A ruta jesuítica é bastante legal neste sentido, porque se trata de um deslocamento relativamente pequeno, mas com grande densidade cultural por conta das muitas ruínas existentes em seu derredor.

(fotos de Trinidad)


(sensação térmica de 48 graus positivos)






Missão de Santa Ana (Argentina) -
Atravessei a fronteira pela belíssima ponte sobre o rio Paraná, que separa as cidades de Encarnación e Posadas (ambas fundadas por jesuítas). Santa Ana fica 45 km de Posadas, e foi bastante tranquilo chegar lá. A missão teve seu ciclo entre 1660 e 1818. Porém, desde 1633 ela vinha mudando de lugar por causa dos Bandeirantes, mas se instalou definitivamente neste local em 1660. Dizem que é excelente visitá-la à noite, por conta da iluminação hollywoodiana que foi instalada em toda sua área. Diferentemente das missões paraguaias, onde eu era praticamente o único turista, o fluxo de pessoas nas missões argentinas é enorme. Muita gente comprando ingresso para visitá-las.

(fotos de Santa Ana)






Missão de San Ignacio (Argentina) - esta missão é a mais linda de todas e teve seu ciclo entre 1609-1818. Também é a maior e a mais arborizada dentre as que conheci. Parei a moto num estacionamento atrás de um restaurante que fica em frente à entrada da missão. A temperatura estava por volta dos 37 graus, mas sob as árvores a sensação era bastante agradável. Depois de um tour de 2 horas pelas ruínas, deitei-me sobre um banco de madeira à sombra de árvores enormes e fiquei pensando na vida, curtindo um pouco do silêncio, da solidão e de um certo prazer de estar comigo mesmo. Uma situação que raramente consigo vivenciar no dia-a-dia em Brasília. As ruínas são, por si, um local bastante propício à meditação e aos bons pensamentos. Muitas coisas legais passaram pela minha cabeça, mas não acho conveniente compartilhar. Estou ainda na dúvida se cochilei ou se não vi o tempo passar. Mas fui "despertado" por uma senhora alemã, pedindo em inglês para eu tirar uma foto. Havia um grupo de turistas europeus bem idosos ao meu lado e eu nem havia percebido. Talvez eu tenha dormido mesmo e não os vi se aproximando.
b) Fiquei pensando se eu deveria começar a retornar para casa naquele mesmo dia. San Ignacio fica cerca de 250 km de Foz do Iguaçu e seria um deslocamento curto até lá. Pensei, pensei, pensei e decidi subir na moto e seguir para o Brasil. De repente me veio a convicção de que a melhor maneira de cultivar bons pensamentos é colocando a cabeça dentro de um capacete. Isso já havia sido comprovado pelo professor Pardal (dos quadrinhos do Walt Disney) há muito tempo. Sem mais nem menos me lembrei dele. Não era com um capacete na cabeça que ele fazia seus inventos geniais? Sempre sob encomenda do Tio Patinhas?

(fotos de San Ignacio)







quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

VOLTA PARA CASA

9 e 10 de JANEIRO DE 2012 -
a) Eu havia planejado fazer esta viagem em 7 dias, mas resolvi usar apenas 5. O forte calor em toda a região por onde passei me deixou encafifado. Só havia um lugar confortável para ficar: no quarto do hotel com o ar condicionado ligado. E eu, certamente, não saí de casa montado numa motocicleta para curtir quarto de hotel.  Fiquei, literalmente, entre a "Cruz e a Caldeirinha" durante boa parte do trajeto. No mais, já  havia passado pelos locais planejados e me deu um comichão danado de dar um pulinho em Ciudad del Este para comprar umas muambas. Assim, resolvi deixar a Argentina e seguir para Foz do Iguaçu na tarde do dia 8.
b) Esta foi a primeira viagem que fiz na vida sem qualquer compromisso. Não me preocupei com local certo de pernoite, nem com com a paridade entre as moedas. Só fiquei sabendo que 1 real estava valendo 3 pesos argentinos quando fui pagar uma cerveja, em San Ignácio, num calorzinho acima de 40 graus. Meu amigo Glênio falava que "quem computa não desfruta". Apliquei esta teoria durante toda a viagem, sem qualquer arrependimento.
c) Fiz o retorno para casa em dois dias, cumprindo os mil e seiscentos e poucos km do caminho de volta, deleitando-me do prazer de pilotar uma moto pelo estradão da vida. Dormi em Foz do Iguaçu/PR no dia 8, em Regente Feijó/SP no dia 9, e adentrei as portas de minha residência em Brasília no dia 10, por volta das 19 h.
c) Já se tornou repetitivo e monótono voltar para casa embaixo de chuva. Peguei 3 h de céu desabando em Minas Gerais, a ponto de eu ter que me proteger num posto de gasolina por mais de 1  hora, sem qualquer condição de seguir adiante. A chuva amainou, mas não parou. Vim pilotando pianinho, com a calma e a velocidade que esta situação exige. Porém, isso já era esperado, porque só existem duas certezas numa viagem no pico do verão: calor e chuva.
d) Embora eu advogue a tese de que "aventura" e "contratempo" são substantivos que andam sempre juntos, não vejo na ação dos elementos qualquer conotação de "contratempo". Calor, frio, chuva e ventania são situações que devemos nos adaptar, sem resmungar. Agora: pista esburacada, acidente na estrada, moto quebrada e polícia safada são "contratempos" de verdade. Sob este aspecto, posso classificar minha viagem como 100% tranquila.
e) Fico por aqui, encerrando a narrativa de mais uma experência de grande significado em minha existência. Esta foi minha quinta viagem por países da América do Sul e, como em todas as demais, deixará suas "marcas personalizadas" em minha alma. Enquanto for possível, vou continuar viajando, na tentativa de conhecer e aprender com as maravilhas que o mundo nos proporciona. Forte abraço a todos que me acompanharam.

 (travessia do estado de S. Paulo)


(tenda de abacaxi em Frutal/MG)

 (divisa de SP/MG)
 (chegando no Quadradinho)

(odômetro final: 4024,8 km rodados)